quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Livro



À procura de um livro
Que me tire o sono
Me deixe nua
Me possua
E me abrigue com um abraço

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Instante














                
Se fosse possível modificar o tempo
queria ficar presa dentro de um minuto
aquele em que o olhar se cruza
em que o coração dispara
em que a visão se turva
em que tudo é bruma
e não existe espaço
mas existe o laço
dentro de um momento



Os Ratos



Eles sobem pelo muro e entram através da janela  sem cerimônia. São muitos ao mesmo tempo. Vão entrando aos cambulhões. Parecem ter vagas intenções, são desorientados, andam para lá e para cá, sobem e descem numa velocidade atroz. Caminham em minha direção. Vejo-os com seus olhos diáfanos e assustadores. Eles começam a subir em mim. Guincham mostrando uma fome ou uma superioridade. Não sei. Não entendo de ratos. Começam a tomar conta de toda a minha superfície. Eles me mordem e chupam meu sangue. Querem mais de mim. Mas eu não estou preparado. De repente estou tomado de ratos. Eles me mordem! Eles me mordem! Eu tento suportar mas já não aguento. Eles me atacam! Como dói!  Eu me debato para tentar afastá-los mas estão presos em mim. Enquanto me mordem, outros ratos entram pela janela e vêm em minha direção disputar espaço com os que já estão.
E não param de entrar. Eu me debato então com mais força, tento soltá-los com a minha mão. Mas eles não saem. Eles são mais fortes que eu. Me atiro com violência contra a parede, me jogo no chão, rolo, grito. Eles riem e regozijam-se.

Alguém abre a porta. Eu grito: Os ratos! os ratos! os ratos! Aponto a janela, me atiro contra a parede, me jogo no chão e não paro mais de gritar. As pessoas vêm em minha direção. Me seguram e eu grito: Não sou eu! São os ratos! Aponto para a janela e grito desesperadamente: Tirem eles de mim! Eles estão me mordendo! Todos ficam me olhando apavorados e eu percebo que  ninguém compreende. Mas os ratos se assustam com as pessoas e começam a se desprender de mim. Ficam atônitos, desorientados e começam a se esconder pelos cantos da casa. Sei que não vão embora. Sei que nunca vão embora. Olho para mim. Estou cheio de feridas. Coloco meu dedo sobre a ferida do braço esquerdo e aperto bem fundo. Aperto até ter a sensação de que vou perder os sentidos. Então paro. O sangue viscoso começa a sair e eu lambo como o instinto dos animais. Refaço tudo a cada ferida porque quero ultrapassar a superfície.

Me levaram a um especialista de ratos. O doutor Brandão. Um cara estranho. Sempre desconfiei dele. Tinha a sensação de que ele também ia me atacar. Eu  respondia errado às suas perguntas, não queria que ele entendesse os meus ratos. Os meus ratos eram meus, só meus. Ninguém tinha que se intrometer. Ainda mais um fantasma que se chamava Brandão. O olhar vazio e a voz soturna faziam dele um sujeitinho petulante.
Um dia joguei umas verdades em sua cara. Queria afrontá-lo. Mas o cara não demonstrou nenhuma reação. Comecei  a achar que o doutor Brandão desenvolvia alguma patologia e precisava de ajuda.
Comprei uns livros de Freud. Comecei a ler Os três ensaios sobre a sexualidade. Pensei que o doutor Brandão deveria ter um interesse sexual pela sua mãe. Por isso ele era assim tão recalcado a ponto de ter uma verdadeira fixação pelo meu pai. Fiquei imaginando o doutor Brandão comendo a mãe e ela gritando. Mas eu não conhecia a mãe do doutor Brandão então no meu pensamento ela tinha a cara da Soninha e um corpo de velha.

Depois passei a achar que o doutor Brandão era invertido. A fixação pelo meu pai ultrapassava o sintoma do recalcamento. Isso me incomodava. Achava que ele estava passando dos limites. Comer a mãe dele tudo bem mas querer comer o meu pai aí eu não tolero. Quando ele vinha com a história do meu pai, eu mudava de assunto. Começava a inventar uma cena dramática que eu nunca tinha vivido só para tirar o foco dele.

Até que em uma de suas exaustivas sessões ele se cansa de perguntar sobre minha relação com meu pai ou com minha mãe e  me pergunta sobre uma cena da minha infância. Fico um tempo tentando me lembrar e então vejo um rato. Era apenas um. O doutor Brandão diz que eu deveria  ficar atento àquele rato, prestar atenção quando ele aparecia e em que circunstâncias, qual a representatividade dele na minha vida, tentar dialogar com o rato, e eu pensei :
 O caso do doutor Brandão é mesmo  muito grave. Não tem cura. Trata-se possivelmente de psicopatia. Talvez ele tenha sido molestado sexualmente na infância e o trauma tenha lhe causado severos danos na formação de sua personalidade.
Então dei o veredito:
-Doutor Brandão, o caso é grave! Só com internação! Não volto mais aqui!
Dei-lhe as costas e fui embora para que ele percebesse que a situação não tinha argumento. Estava definida.
Três dias depois a equipe da desratização apareceu no meu quarto. Logo pude perceber o profissionalismo deles- todos de uniforme branco o que deveria ser o chefe da equipe, carregava uma maleta. Falei calmamente:
-Os ratos devem estar dormindo. Vi poucos hoje.
Um deles pediu para que eu os acompanhasse. Pensei “eles devem querer que eu explique ao diretor da empresa como os ratos atuam para elaborarem uma estratégia eficiente” Não sei por que mas antes de sair pensei no doutor Brandão.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Desafinada



Eu canto noites insones
Canto à beira do abismo
Canto alto, canto muda
Canto nua e desafinada

Eu canto meus dissabores
Canto tonta e embriagada
Canto só e assim vivo
Cantando pela estrada

Canto o desassossego
Da busca desenfreada
Canto porque meu canto
Na noite assim vazia
Enquanto houver amanhã
Vai buscando harmonia