domingo, 17 de junho de 2012


Os Fantasmas de Soninha


Quando eu comecei a namorar Soninha ela era espirituosa. Gostávamos de viajar, fazer trilhas, saíamos  para dançar e gostávamos das mesmas bandas de rock . Éramos um casal alegre e nos entendíamos muito bem. A única coisa que me deixava chateado era a insistência dela em que eu participasse dos almoços nos Domingos na casa da tia Valquíria. Eu passava a semana toda gravando meus seriados preferidos para assistir aos Domingos e aí vinha a Soninha dizendo que eu tinha que ir ao almoço da família porque iam perguntar por mim e era educado que eu fosse. Eu tentava arrumar desculpas, dizia que tinha planilhas e relatórios da empresa para terminar mas a Soninha ficava emburrada e eu acabava cedendo.
Já naquela época notava uma certa atração da Soninha pelo espelhinho que ficava à frente do seu banco. Toda vez que a Soninha entrava no carro abaixava o espelho. Eu perguntava se ela ia passar alguma maquiagem e ela dizia que não mas que gostava que o espelho ficasse abaixado para que pudesse ajeitar o seu cabelo. O fato é que Soninha não só passava o trajeto todo mexendo o cabelo como também conversava comigo olhando para o espelho e muitas vezes até me dava respostas evasivas de tão concentrada que estava na menina do espelho.
No início eu achava até um pouco engraçado  esse estranho hábito da Soninha até que uma vez perdi  a paciência quando fui fazer uma ultrapassagem e percebi que o meu retrovisor lateral que ficava no lado da Soninha não estava no meu campo de visão. Concluí depois de quase bater  que o espelho estava  no campo da visão da Soninha e ela tinha então dois ângulos para se olhar no carro. Naquele dia eu briguei feio com ela. Soninha foi chorando até  em casa e nem me despedi quando ela abriu a porta e disse um tchau meio cabisbaixa. Dei partida  e fui embora.
No dia seguinte acordei meio mal. Achei que fui duro demais com a Soninha. Passei numa loja, comprei um porta-joias  do tipo que tem um espelho dentro e fui levá-lo para ela. Conversamos e ela prometeu que jamais mexeria novamente no retrovisor lateral e acabamos a noite muito bem como sempre acabávamos.
O tempo foi passando. Eu acabei incorporando à minha rotina os almoços na casa da tia Valquíria e a estranha mania de Soninha de falar comigo olhando para o espelho quando estava no carro. Resolvemos casar. Escolhemos o apartamento, mobiliamos, fizemos uma grande festa e uma  bela viagem de lua de mel.
Ao retornar da viagem e entrar a primeira vez em nosso apartamento fiquei espantado. Três das quatro paredes  da sala e do quarto estavam revestidas com espelhos, ou seja, eram paredes de espelhos restando apenas a que tinha janela.  Apesar de achar um incômodo não falei nada para não acabar com o clima de recém-casados que nos encontrávamos. Mas o fato é que desde o primeiro dia de uma vida em comum, a Soninha nunca olhou para mim. Toda vez que eu perguntava alguma coisa para ela, respondia olhando para uma das três Soninhas que estavam à sua frente e quando ia fazer uma refeição à mesa sentava na cabeceira para poder comer olhando para as três ao mesmo tempo.
Em um ano de casamento, nossa convivência a seis estava ficando insuportável. Eu sempre via três Soninhas dizendo que eu tinha que ir ao banco, ao mercado, levar o lixo para a lixeira, não esquecer de pagar as contas e ela bom, ela não me via, só enxergava as três Soninhas. De qualquer forma, minhas três caras de amargura sempre me deixavam aborrecido.
Passou a ser difícil também tirar a Soninha de casa, pois ela sempre inventava um subterfúgio para poder ficar com as outras três.
Um dia insisti muito para que Soninha saísse comigo e às margens da lagoa Rodrigo de Freitas falei todo o meu descontentamento. Ela disse que eu era injusto, que gastou um dinheirão naquela decoração, que só utilizara um artifício para aumentar o ambiente visto que era um apartamento pequeno e chorou.
Nos dias que seguiram, Soninha não saiu do quarto.  Maria levava suas refeições à cama . Como já fazia quatro dias que Soninha não saía da cama, fui ao quarto, segurei sua mão delicadamente e tentei animá-la dizendo que o que falei na lagoa não era tão importante assim. Mas Soninha virou-se para o outro lado com a intenção de demonstrar-me que não estava interessada.
Na mesma semana fiquei sabendo que um parque se instalara no centro da cidade. Era um parque sem tecnologia, do tipo que eu ia na minha infância- com carrossel, bate-bate, roda gigante, algodão doce, maçã do amor, mulher gorila e a Casa dos Espelhos.
Então, no Domingo consegui depois de muito custo, convencer a Soninha a ir comigo ao parque sem lhe contar sobre a atração principal. Ao chegar em frente a Casa dos Espelhos vi novamente o brilho nos olhos dela. Entrei com ela a fim de testemunhar sua alegria mas fui vendo os olhos de Soninha se tomarem de espanto a cada espelho que ela passava. Até que vi o verdadeiro terror instaurado em sua face. Ela não disse nada e eu também não perguntei.
Não sei que fantasmas Soninha viu. Só sei que quando cheguei em casa na Segunda-feira, nas paredes havia telas pintadas à óleo e ela olhou para mim.


Conto escrito para o clube da leitura



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