quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Último Ano do Papai Noel





O dia 24 de dezembro sempre é muito aguardado por uma criança de 7 anos. Confesso que mesmo sentindo todos os aromas que vinham da cozinha, meu coração disparava e eu só pensava no que viria depois da ceia.
Enquanto mamãe preparava um enorme peru com farofa eu olhava pela janela e pensava que a essa hora papai Noel já havia começado sua viagem. Enquanto mamãe perguntava se o peru estava tenro, eu me perguntava se o velhinho, já cansado e com tantos compromissos, não iria esquecer logo o meu presente.
Escrevi uma carta com um mês de antecedência para dar tempo dele recebê-la e providenciar sem correria  o meu pedido pois a pressa é a inimiga da perfeição, como diz mamãe, que gosta de tudo organizado e nunca esquece nada. Isso foi no ano de 2012, em que as crianças já não pediam mais bolas e carrinhos. A tecnologia invadia o mundo e os sonhos infantis.
A carta dizia assim:

Papai Noel,

Como vai? Espero que tenha tido um bom ano. Sabe? Eu fui bem nas provas finais e não fiquei em recuperação. Fui um bom menino o ano todo. Quase não briguei com meus primos e dei lugar para os velhinhos no ônibus mesmo quando eu estava cansado do futebol e a minha mochila estava pesada.
Eu queria te dar uma sugestão:  você poderia criar uma página na internet onde nós, crianças, escreveríamos para você. Isso ia facilitar, pois os pedidos iam chegar mais rápido e ia evitar que os correios perdessem nossas cartas. Acho que no ano passado minha carta se perdeu, pois eu pedi um smartphone e ganhei um jogo de boliche. Não estou reclamando não, papai Noel, queria até te agradecer mas você sabe, quando a gente sonha com alguma coisa, de repente fica um pouco triste quando o sonho não se realiza. Sei que você já é velhinho e não sabe criar uma página na internet. Então, quando você for lá na casa da vovó , pode pedir pro meu tio Ivan, que ele faz pra você.
Nesse ano, vou pedir de novo um smartphone. Se não for abuso, gostaria que viesse  com o plano de internet, pois meus pais não vão poder pagar um plano para mim e smartphone sem internet é igual aniversário sem bolo. Papai Noel, sei que você tem pressa porque precisa entregar todos os presentes mas nesse ano eu também quero te dar um presente: um desenho que eu fiz pra você na aula de Artes. E também quero te dar um abraço. Então não vá embora sem falar comigo!

Pedrinho.

24/11/12



Passei o mês todo preocupado  pensando se papai Noel tinha recebido mesmo a minha carta. Reli a cópia que guardei todas as noites antes de dormir na dúvida se eu o tinha cumprimentado com educação antes de pedir o meu presente. Aquele mês foi de angústia e  escrevi outras cartas para o bom velhinho contando como havia sido o meu dia e minhas aventuras na escola. Mas não cheguei a pedir que  mamãe as enviasse porque sabia que Papai Noel era muito ocupado e eu não podia tomar tanto tempo dele assim.
Mas o tão esperado dia chegou! A mágica começou na cozinha. Mamãe ia transformando umas fatias de pão dormido numa coisa tão maravilhosa que me fez sentir mesmo muito especial e que aquele era realmente o meu dia. Quando ela colocou a travessa sobre a mesa, meus olhos não queriam acreditar naquela magia  que todos teimavam em  dar um nome. Ela tirou o avental, passou a mão de leve sobre as costas numa expressão de dor. Notei que todo aquele encanto a tinha cansado um pouco. Tanto, que resolveu ir tomar banho sem nem perceber o meu conflito.
Fiquei ali extasiado, perplexo olhando para a travessa, capaz de imaginar o sabor transcendental daquela iguaria. A que estava bem no topo da pirâmide me olhava nua, despida de qualquer vergonha e me convidava a uma noite de luxúria. Nós nos desejávamos, nos queríamos  e nos possuímos num tempo que não pôde ser contado.
E foi exatamente  naquele momento, diante de toda obscenidade do mundo, que perdi  minha inocência. Percebi que ele não vinha. E que mamãe tinha deixado aquela bandeja ali intencionalmente porque precisava de um cúmplice.
Na casa da vovó, enquanto todos riam e comiam felizes, eu sentia o gosto amargo da rabanada. Já não importava mais o presente. Papai Noel se perdeu dentro de mim. Já não nos pertencíamos e eu era apenas um garoto sem fantasia.
Quinze anos depois quando entrei numa loja e fui comprar o meu primeiro carro, um senhor de cabelo grisalho e expressão cansada  me atendeu.  Nos encaramos e sorrimos na eternidade de um minuto. Ciente da escassez da linguagem diante daquele momento abissal, preferi caminhar por  terrenos sólidos. Perguntei:
-Você tem pronta entrega?







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