domingo, 29 de julho de 2012


Laços Eternos

Arrumando o armário Domingo à tarde, encontrei perdida nesse imenso mundo de esquecimento, uma caixa de madeira onde eu guardo fotografias. É difícil arrumar o armário no Domingo porque cada coisa que encontro tem uma história e traz à tona cenas de um filme  à minha cabeça. Fico analisando cada peça retirada desse grande coração que é o meu armário e relembrando fatos. Por isso, da próxima vez que eu for arrumar o armário, vou começar na Segunda-feira para terminar no domingo.
Bom, encontrei a caixinha de madeira. Alguma coisa doeu dentro de mim. Não a abri imediatamente. Sentei na cadeira que fica junto à mesa do computador e fiquei alguns minutos olhando para ela. Eu sabia que lá dentro havia grandes momentos da minha vida. Por isso, estavam lá, na caixinha de madeira dentro do armário. Outras fotos encontravam-se em álbuns nas prateleiras do quarto porém as mais emocionantes, aquelas que iam me fazer rir ou chorar estavam lá, naquela caixa. Acariciei-a como se fosse um amor antigo, senti seu cheiro imponente de madeira velha, coloquei-a em cima da mesa. Eu olhava para ela e sentia uma dor imensa. Eu sabia que a minha avó estava lá, minha vozinha que eu só lembro dela magrinha, com cabelo branquinho, sentada em sua poltrona lendo um grande livro grosso que na época eu não entendia direito mas ela contava a história de alguém que dividiu um mar ao meio e o atravessou. Acho que veio daí, das histórias da vozinha, esse meu gosto por  Edgar Allan Poe, Jorge Luis Borges, Gabriel García Máquez, Julio Cortázar, Murilo Rubião e tantos outros escritores que escrevem sobre o fantástico, o insólito.
Sabia também que mamãe morava naquela caixinha. Ah! Mamãe, sempre tão carinhosa! Sempre tão preocupada! Eu sabia que aquela foto que eu estava no parquinho e mamãe me empurrando no balanço estava lá assim como a do dia da minha formatura em que a mamãe apareceu com a maquiagem toda borrada de tanto chorar. Afinal, foram muitas horas extras como professora para conseguir formar uma médica. Lembro que os meus livros minha mãe comprava em parcelas e as parcelas acabavam junto com o semestre. Então, mamãe só se livrou delas na formatura. Acho que era por isso que ela chorava tanto!
Ah! O vovô também está lá sempre tão garotão de calça jeans e blusão no meu casamento! Tive que colocar a vovó do outro lado da caixa senão ela ia estar desmaiada até hoje vendo ele vestido assim no casamento. Mas ele está lá contando suas piadas infames. E é por isso que os outros  estão rindo.
Jussara, minha babá, comigo no colo, como me lembro dos doces da Jussara e de como ela chamava a gente pra tomar banho dizendo que tinha uma coisa gostosa na cozinha mas antes tinha que tomar banho porque coisa gostosa não aceita desaforo. Jussara morreu velhinha aqui em casa. Não tinha família e foi ficando. Não tinha para onde ir. Já tão fraquinha eu dizia: Jussara, tem uma coisa gostosa lá na cozinha te esperando mas antes tem que tomar banho. Ela me olhava e sorria e eu escutava dos seus olhos : Você é a filha que eu não nasceu de mim mas tive a felicidade de cuidar!


Porco, o cachorro mais engraçado que já vi. Quando brincávamos de pique esconde apostávamos quem o Porco ia encontrar primeiro. O que ninguém sabe até hoje é que eu sempre me escondia com uma guloseima e antes de sair correndo mostrava ao Porco. Como era guloso aquele cachorro! Eu sempre ganhava as apostas e ele, as iguarias. Nem preciso falar que ele não gostava de tomar banho!

De repente, sem eu nem ainda abrir a caixa, as lágrimas começaram a rolar no meu rosto. Desceram sôfregas, insistentes, vieram de um mundo protegido, desabitado e marcaram minha face com terríveis saudades. Foi quando levantei-me da cadeira, peguei uma fita que estava dentro da gaveta, passei em volta da caixa, dei um laço e coloquei-a de volta em seu lugar. Fui colocando as coisas que estavam espalhadas pelo chão desordenadamente de volta no armário. Pedro Henrique entrou e com a inocência dos seus cinco anos perguntou:
-Ué mamãe, você não ia arrumar o armário? Então respondi:
-Arrumar o armário dói.
Assim como eu guardei o mar da vovó, acho que ele um dia vai guardar essa frase numa caixinha de madeira.

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