Um
Carnaval do Diabo
O
diabo pediu permissão para ir ao Carnaval do Rio de Janeiro. A permissão
foi concedida porém, com uma condição: o
diabo teria de viver seus dias de folia como um ser humano, não poderia
utilizar seus poderes sobrenaturais. Caso ele descumprisse o trato, seria
impedido de retornar ao inferno e passaria a eternidade no Rio como pobre
recebendo salário mínimo.
Visto
que iria ser uma provação muito grande o diabo ainda tentou negociar:
-
Não dá para ser político? Mas o grande chefe vetou sua reivindicação. Se quiseres
ir à Terra, serás como pobre. Se descumprires as regras, ficarás lá a
eternidade.
Então
o diabo aceitou as condições impostas e foi enviado diretamente para o Rio de
Janeiro.
Ao
chegar olhou à sua volta e pensou ué, cadê a praia? Ele ficou andando pra lá e
pra cá e não viu nenhum vestígio da orla carioca. Só viu uma praça suja e mal
cuidada. Ia passando um transeunte , então perguntou: Escuta senhor, onde eu
estou?
-
Aqui é a Pavuna.
-
E como eu faço para chegar ao Centro? Hoje é dia do Cordão do Bola Preta.
-
É só o senhor descer essa rua em frente. Lá embaixo pega o metrô. É bem aqui em
frente. É a última estação.
O
diabo foi descendo e logo sentiu o suor escorrer em seu rosto. Realmente ali
não tinha nem aquela brisa marítima que alivia um pouco no verão. Ele foi
descendo e pensando “ai que calor! aqui está parecendo até o inferno!” Ao
chegar na estação do metrô, ficou
perplexo:
-
Senhora, essa multidão está indo para o Cordão do Bola Preta?
-
Sim. Olha a animação! Estão até
cantando!
-
Mas esse trem vai cheio assim?
-
O senhor está achando cheio? De segunda a sexta é pior na hora de ir para o
trabalho.
O
diabo entrou no vagão e ficou tentando se acomodar de uma maneira que ficasse
mais confortável. As pessoas cantavam marchinhas e riam, visto que já estavam
acostumadas com as vicissitudes da cidade, mas o diabo ia irritado. De vez em
quando ele lançava um olhar em torno do vagão e observava a estranha alegria
das pessoas em ir num vagão apertadas e no calor, pois o sistema de
refrigeração já não dava conta da quantidade de pessoas embarcadas. Foi em uma
dessas incursões visuais que o diabo observou a morena de cabelo comprido,
short, camiseta do bloco e colar de havaiana. Ela estava animada, sorrindo e
logo encontrou o olhar sedutor do diabo.
Este sorriu para ela que lhe retribuiu o sorriso. Ao chegar na estação
Cinelândia a maioria das pessoas desembarcou e o diabo aproximou-se da morena:
-
Escuta, você sabe onde o bloco fica concentrado? É que eu não sou daqui. Vim
para o Carnaval.
-
É claro! Respondeu-lhe solicitamente.
Meu nome é Sueli.
-
O meu é Pedro. Pedro del Fuego.
-
Me acompanha então Pedro.
Ao
chegarem ao bloco, o diabo cantou, dançou, pagou cerveja para a morena e entre
uma marchinha e outra, roubava um beijo da Sueli. Depois foram para o Empolga
às 9, que só sai à 11h, depois para o Sassaricando e de bloco em bloco, esta, que já estava encantada com a beleza e
o modo sedutor de Pedro, não resistiu quando ele convidou-a para um programa só a dois à noite.
As
três horas de espera na recepção de um motel não tiraram o bom humor do diabo
que desde o momento que conheceu Sueli, nada mais parecia importar. E
aproveitava a espera para ir esquentado o clima. As mãos pareciam que se multiplicavam
à medida que ia passando o tempo.
Ao
subir para o quarto, o diabo lembrou-se que tinha um problema: como iria
esconder o rabo? Há tanto tempo vivia no inferno e não tinha permissão para
sair que esqueceu que o rabo seria a causa de um estranhamento e até poderia
assustar Sueli a ponto dela ir embora e não querer mais vê-lo. Então, ali, diante da bela morena, ele sentiu-se
frágil pela primeira vez em sua longa existência. Porém, astuto que era, logo o
problema transformou-se em solução. Disse para Sueli que era tímido nessa horas
e só se sentiria confortável com as luzes apagadas. O tempo todo imobilizava as
mãos dela alegando tratar-se de um fetiche. A morena não se opôs. Concordou,
animada com a extravagância do rapaz.
E
assim passaram os quatro dias de folia: De bloco em bloco, o diabo e a
morena cantavam a vida e deixavam a
marca daquela paixão em confetes e serpentinas. Depois faziam amor como se
tivessem condenados a ir para o inferno depois do Carnaval. Na terça-feira um
pequeno incidente quase tirou o bom humor do diabo. Ao colocar a mão no bolso
para pagar a cerveja , cadê a carteira? Ele percebeu que fora roubado e
pensando que poderia em um piscar de olhos mandar o ladrão para o inferno, ele
respirou fundo, nervoso, pois teria de cumprir as regras. Sueli percebendo que
Pedro transpirava e tremia perguntou o
que acontecera. E ele respondeu: Fui roubado. A moça com a maior tranqüilidade,
responde: Ah! Isso é comum! Logo se vê
que você não é do Rio. Tinha documento? Se tiver, vai dar muito trabalho!
-Não.
Não tinha documento.
-Quer
fazer o registro?
-Não
quero perder nem um minuto dessa festa. Quero ficar com você, responde já
recomposto.
Na
Quarta-Feira de Cinzas, o diabo acordou chateado. Terminara sua permissão para
a permanência na Terra. Logo, apareceu um portal à sua frente. Ele só conseguia
pensar em sua morena. Não queria deixar Sueli. Então, ignorou o portal e
resolveu não voltar.
Contou
para Sueli que abandonara o emprego. Queria ficar com ela. Não voltaria para
sua terra. A morena comovida com tamanha demonstração de amor, hospedou-o em
seu conjugado na Glória. Ele prometeu-lhe o céu.
Meses
depois começou sua campanha política. Bonito, inteligente e articulado, não
demorou para que Pedro del Fuego liderasse
as pesquisas com uma campanha forte em que prometia entre outras coisas, vale
ar-condicionado para todas as comunidades carentes e pacificadas durante todo o
verão carioca. Ocupada a cadeira na Câmara dos Deputados, Sueli passou a usar
jóias e grifes e a única preocupação do diabo passou a ser - esconder o rabo.
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