domingo, 29 de julho de 2012


Um Carnaval do Diabo

O diabo pediu permissão para ir ao Carnaval do Rio de Janeiro. A permissão foi  concedida porém, com uma condição: o diabo teria de viver seus dias de folia como um ser humano, não poderia utilizar seus poderes sobrenaturais. Caso ele descumprisse o trato, seria impedido de retornar ao inferno e passaria a eternidade no Rio como pobre recebendo salário mínimo.
Visto que iria ser uma provação muito grande o diabo ainda tentou negociar:
- Não dá para ser político? Mas o grande chefe vetou sua reivindicação. Se quiseres ir à Terra, serás como pobre. Se descumprires as regras, ficarás lá a eternidade.
Então o diabo aceitou as condições impostas e foi enviado diretamente para o Rio de Janeiro.
Ao chegar olhou à sua volta e pensou ué, cadê a praia? Ele ficou andando pra lá e pra cá e não viu nenhum vestígio da orla carioca. Só viu uma praça suja e mal cuidada. Ia passando um transeunte , então perguntou: Escuta senhor, onde eu estou?
- Aqui é a Pavuna.
- E como eu faço para chegar ao Centro? Hoje é dia do Cordão do Bola Preta.
- É só o senhor descer essa rua em frente. Lá embaixo pega o metrô. É bem aqui em frente. É a última estação.
O diabo foi descendo e logo sentiu o suor escorrer em seu rosto. Realmente ali não tinha nem aquela brisa marítima que alivia um pouco no verão. Ele foi descendo e pensando “ai  que  calor! aqui está parecendo até o inferno!” Ao chegar na estação do metrô,  ficou perplexo:
- Senhora, essa multidão está indo para o Cordão do Bola Preta?
- Sim. Olha a animação!  Estão até cantando!
- Mas esse trem vai cheio assim?
- O senhor está achando cheio? De segunda a sexta é pior na hora de ir para o trabalho.
O diabo entrou no vagão e ficou tentando se acomodar de uma maneira que ficasse mais confortável. As pessoas cantavam marchinhas e riam, visto que já estavam acostumadas com as vicissitudes da cidade, mas o diabo ia irritado. De vez em quando ele lançava um olhar em torno do vagão e observava a estranha alegria das pessoas em ir num vagão apertadas e no calor, pois o sistema de refrigeração já não dava conta da quantidade de pessoas embarcadas. Foi em uma dessas incursões visuais que o diabo observou a morena de cabelo comprido, short, camiseta do bloco e colar de havaiana. Ela estava animada, sorrindo e logo encontrou o olhar  sedutor do diabo. Este sorriu para ela que lhe retribuiu o sorriso. Ao chegar na estação Cinelândia a maioria das pessoas desembarcou e o diabo aproximou-se da morena:
- Escuta, você sabe onde o bloco fica concentrado? É que eu não sou daqui. Vim para o Carnaval.
- É claro!  Respondeu-lhe solicitamente. Meu nome é Sueli.
- O meu é Pedro. Pedro del  Fuego.
- Me acompanha então Pedro.
Ao chegarem ao bloco, o diabo cantou, dançou, pagou cerveja para a morena e entre uma marchinha e outra, roubava um beijo da Sueli. Depois foram para o Empolga às 9, que só sai à 11h, depois para o Sassaricando e de bloco em bloco,  esta, que já estava encantada com a beleza e o modo sedutor de Pedro, não resistiu quando ele convidou-a para  um programa só a dois à noite.
As três horas de espera na recepção de um motel não tiraram o bom humor do diabo que desde o momento que conheceu Sueli, nada mais parecia importar. E aproveitava a espera para ir esquentado o clima. As mãos pareciam que se multiplicavam à medida que ia passando o tempo.
Ao subir para o quarto, o diabo lembrou-se que tinha um problema: como iria esconder o rabo? Há tanto tempo vivia no inferno e não tinha permissão para sair que esqueceu que o rabo seria a causa de um estranhamento e até poderia assustar Sueli a ponto dela ir embora e não querer mais vê-lo. Então,  ali, diante da bela morena, ele sentiu-se frágil pela primeira vez em sua longa existência. Porém, astuto que era, logo o problema transformou-se em solução. Disse para Sueli que era tímido nessa horas e só se sentiria confortável com as luzes apagadas. O tempo todo imobilizava as mãos dela alegando tratar-se de um fetiche. A morena não se opôs. Concordou, animada com a extravagância do rapaz.
E assim passaram os quatro dias de folia: De bloco em bloco, o diabo e a morena  cantavam a vida e deixavam a marca daquela paixão em confetes e serpentinas. Depois faziam amor como se tivessem condenados a ir para o inferno depois do Carnaval. Na terça-feira um pequeno incidente quase tirou o bom humor do diabo. Ao colocar a mão no bolso para pagar a cerveja , cadê a carteira? Ele percebeu que fora roubado e pensando que poderia em um piscar de olhos mandar o ladrão para o inferno, ele respirou fundo, nervoso, pois teria de cumprir as regras. Sueli percebendo que Pedro transpirava  e tremia perguntou o que acontecera. E ele respondeu: Fui roubado. A moça com a maior tranqüilidade, responde: Ah! Isso é comum!  Logo se vê que você não é do Rio. Tinha documento? Se tiver, vai dar muito trabalho!
-Não. Não tinha documento.
-Quer fazer o registro?
-Não quero perder nem um minuto dessa festa. Quero ficar com você, responde já recomposto.

Na Quarta-Feira de Cinzas, o diabo acordou chateado. Terminara sua permissão para a permanência na Terra. Logo, apareceu um portal à sua frente. Ele só conseguia pensar em sua morena. Não queria deixar Sueli. Então, ignorou o portal e resolveu não voltar.
Contou para Sueli que abandonara o emprego. Queria ficar com ela. Não voltaria para sua terra. A morena comovida com tamanha demonstração de amor, hospedou-o em seu conjugado na Glória. Ele prometeu-lhe o céu.
Meses depois começou sua campanha política. Bonito, inteligente e articulado, não demorou para que Pedro del Fuego  liderasse as pesquisas com uma campanha forte em que prometia entre outras coisas, vale ar-condicionado para todas as comunidades carentes e pacificadas durante todo o verão carioca. Ocupada a cadeira na Câmara dos Deputados, Sueli passou a usar jóias e grifes e a única preocupação do diabo passou a ser - esconder o rabo.


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